30.6.09

Falta de condições



Muito se falou, e continua a falar do Sporting-Benfica do passado sábado, que culminava o campeonato nacional de juniores, num jogo em que o vencedor se sagraria campeão.

O Sporting, com 2 derrotas nos 3 primeiros jogos esteve praticamente arredado de um título que o Benfica teve nas mãos, mas a vitória dos jovens leões no Olival, seguida de vitória frente aos esforçados juniores vitorianos reacendeu a chama do título, desaproveitado pelo Benfica, que em casa frente ao Porto não conseguiu desde logo festeja-lo. Adiante.

O jogo teve desde logo o condão de empolgar os adeptos leoninos, ávidos de (bom) futebol, numa silly season repleta de não-contratações por parte do seu clube, com o tónico adicional de verem jogar novos talentos como Rosado, Wilson, Neto, Reis ou o afamado keeper Golas. Afinal, esta geração de jovens venceu tudo em todas as categorias, mesmo tendo deixado pelo caminho alguns dos jovens promissores que não se identificaram com as linhas de sucesso da Academia e fora deixando o grupo ao longo dos anos…

Estava criado o ambiente propício a uma festa. Como já acontece desde a criação da Academia, as bancadas são normalmente preenchidas com famílias (dos jogadores e não só!) e dão a estes jogos um colorido ainda mais bonito.

No passado sábado, tal como em muitos outros jogos (dos quais a recepção ao Porto e Vitória, já esta época foram exemplo) tudo corria dentro do expectável. Até aos 25 minutos de jogo.

Podia estar a descrever o que disse A ou B, a opinião deste sportinguista, daquele benfiquista, ou de um polícia, de um jornalista, ou de um opinion maker, mas prefiro as imagens que SIC e TVI apresentaram ainda no próprio dia. O que se viu em Alcochete seria hilariante se não fosse tão triste e revoltante.

Um conjunto de pessoas (a quem me recuso de chamar adeptos ou benfiquistas!) entrou pelo recinto a dentro, munido de pedras, algumas arrancadas do chão do próprio recinto, e começou a agredir dezenas de pessoas que se encontravam de costas para eles (!?!?!), já a assistir ao encontro de futebol. Daqui à invasão do recinto de jogo pelas muitas famílias presentes, à procura de refúgio da delinquência de quem acabava de chegar, foi um pequeno passo. A resposta de uma parcela de adeptos leoninos, exaltados e sedentos da resposta pela força não se fez esperar. Pelo meio a polícia, incapaz de segurar uns e outros. Impressionante.

Logo que a balbúrdia chegou ao país real pelos meios de comunicação, as palavras mais aguardadas eram as de Bettencourt e Rui Costa, responsáveis pelos clubes. Adiantou-se Pedro Mil Homens, director da Academia, incrédulo, dizendo essencialmente que “…era um dia triste porque a Academia não tinha sido construída para isto…”. Enquanto Bettencourt procurava no terreno de jogo acalmar os adeptos do Sporting, Rui Costa abandonava o estádio, e logo fazia as primeiras declarações – “… o Benfica e eu próprio já tínhamos avisado que a Academia não reunia as condições necessárias à realização de um jogo desta natureza, que mesmo em juniores é sempre um derby…”. Rui Costa não se demarcou um milímetro de cada pedra arremessada por pretensos adeptos do clube que representa. Para ele o problema esteve, tão somente, no recinto escolhido. Ficou sem se saber se a Academia fosse toda construída em borracha não amovível, se Rui Costa já a consideraria capaz de receber este conjunto de pessoas que se esconde por detrás do emblema do Benfica para vandalizar, agredir e ofender outras pessoas, incluindo a polícia.

Pelas declarações, Rui Costa pouco se preocupou com as famílias que ali estiveram, fossem elas de adeptos do Sporting ou do Benfica. Rapidamente se tornou mais importante atestar a culpa de Sporting e FPF, dando como óbvio a repetição do jogo em campo neutro. Superiores interesses?

Pouco depois, um Bettencourt indignado e perplexo pouco ou acrescentou ao que tinha sido já dito por PMHomens, com o reparo curioso de garantir que a ele nunca tinham chegado informações do Benfica dando conta da tamanha preocupação dos líderes encarnados sobre o local do jogo (e mais tarde veio a saber-se que à FPF também não.), e que esperaria calmamente pelo apuramento de responsabilidades.

Vamos a factos – será assim o campeonato de juniores tão importante, quando o Benfica não o ganha há anos e nunca pareceu preocupado, e no Sporting ninguém assume que um título de juniores é mais importante que a formação de jogadores para o plantel principal? Será que pessoas civilizadas, mesmo que de clubes distintos são incapazes de assistir a um jogo ordeiramente sem ter que ter a polícia a revistá-los e controlá-los? Em que país vivemos?

Ao dia de hoje já é possível saber que a polícia não fez qualquer identificação ou detenção. Para a polícia eu pergunto – o que me aconteceria a mim, se comprasse 10 bilhetes para o teatro S.Carlos, lá chegasse munido de pedras, arrancasse cadeiras das últimas filas e agredisse os espectadores das primeiras filas?

Acredito que da parte da FPF e do Sporting houve demasiada boa fé, a roçar a ingenuidade, na cedência de bilhetes ao adversário (que é obrigatória por lei!) e no tratamento do derby como um simples jogo de juniores. Veio a revelar-se demasiada ‘postura positivista’ para o país em que vivemos, para a sociedade que aceitamos como admissível.

O que acontecerá aos adeptos, sportinguistas e benfiquistas, que arremessaram objectos, por iniciativa ou como retaliação? Nada.
O que acontecerá a quem partiu vidros de carros? Nada.
O que acontecerá a quem forçou a entrada sem bilhete, e contra a autoridade policial? Nada.

Por continuarem a existir dirigentes desportivos que vergam os seus princípios a uma clubite aguda, e mais que isso, a uma dependência sobre resultados desportivos, e sobre a opinião que as auto-intituladas claques exercem sobre eles, o futebol português continuará a não atrair quem quer que seja. Tenho pena que Rui Costa possa levar os seus filhos ao jogos do Benfica na Luz, mas não tenha certamente coragem de os deixar ir com os No Name Boys a jogos em Alvalade ou ao Dragão.

A desculpabilização das claques, sejam elas organizadas ou não, no nosso país é inqualificável. E aqui refiro-me a todas as claques, as do Sporting incluídas. Não considerar os culpados (pelo menos os principais) o conjunto de delinquentes que se deslocou à Academia é uma irresponsabilidade de todos. Não é de Rui Costa ou do Benfica – é de todos.

Será que no mesmo fim-de-semana o pavilhão do Restelo não tinha condições para a realização de um jogo de futsal? Ou será que a polícia foi culpada pela existência de very-lights na claque encarnada?
Será que a culpa dos incidentes na final da taça de Andebol em Lagos se deveu à pastelaria/café, que não reunia condições para servir a claque dos Super Dragões antes do jogo?
Será que há uns anos, o estádio de Alvalade não reunia condições para que Fernando Mendes assistisse ao Sporting – Benfica na bancada?
Será que ainda recentemente Vital Moreira foi agredido porque a Marinha Grande não reunia condições para uma simples campanha política?

Não me revejo numa sociedade em que estes grupelhos de delinquentes servem para que cobardes se escondam da justiça, e procedam aos mais estúpidos actos de violência. Sejam eles de que clube, região, religião ou cor forem! E tenho pena que os dirigentes do clube de futebol português que mais adeptos possui não pense da mesma forma.